Análise do Regulamento e intervenção da ALEP

Para entender o Regulamento e o próprio trabalho de intervenção da ALEP é preciso primeiro perceber o contexto em que este Regulamento foi elaborado, as forças que estavam em ação e as limitações do processo.

Um Regulamento que surge de um debate muito politizado e extremado

  1. O Regulamento surge como o principal resultado da alteração da nova lei do AL (Lei n.º 62/2018, de 22 de Agosto) que deu às autarquias os poderes para criar zonas de contenção do alojamento local e/ou suspender provisoriamente novos registos em certas zonas, através de regulamentos municipais.
  2. O tema foi muito mediatizado e politizado com posições radicais o que tornou o processo muito menos técnico e muito mais político, criando assim as condições para trazer à colação medidas com tom mais populistas, o que criou muitas dificuldades ao  trabalho de argumentação e intervenção da ALEP.

A posição dos partidos e a pressão dos vários grupos de interesses como ponto de partida:

  1. Alguns partidos que fazem parte da coligação feita para a governabilidade da cidade de Lisboa (resultante do acordo entre OS e BE) e que, por isto têm peso, pediam a suspensão total de novos registos de AL em Lisboa, não apenas nas áreas de contenção, mas em toda a cidade.
  2. Outra exigência era diminuir significativamente o limite do primeiro indicador, o que transformaria boa parte das freguesias em áreas de contenção, mesmo com poucos AL.
  3. A discussão pública recebeu 42 contributos, incluindo o da ALEP. Metade era de promotores a pedir situações particulares. A outra metade, na sua maioria eram propostas contrárias ao AL, algumas com posições bastante radicais.
  4. Alguns grupos ligados à habitação fizeram também muita pressão para o alargamento das zonas de contenção. 
  5. Houve também bastante pressão de associação de moradores que resultou por exemplo numa proposta inicial de obrigar a todo o AL instalar medidores de ruídos.

O resultado das eleições e o seu impacto no contexto político em que o Regulamento foi elaborado:

  1. As eleições sem acordo de governação formal trouxeram um novo ambiente de negociação e disputas entre os partidos. Em Lisboa, a Câmara dependia do voto do BE para o Regulamento ser aprovado
  2. Neste ambiente politizados, foi só muito no final, e com muitas iniciativas de relacionamento institucional, que ALEP conseguiu ter conhecimento dos artigos alterados do Regulamento.
  3. Como aconteceu na produção da lei em 2018, em processos de disputa política, é comum surgirem, na reta final das negociações e muitas vezes quase na véspera, acordos de surpresa que são muito difíceis de reverter.

Em resumo, mais uma vez estávamos frente a um processo muito politizado e que ainda estava contaminado por algumas das posições mais radicais anteriores. Para agravar, Sendo um Regulamento para limitar o crescimento do AL (áreas de contenção) nunca poderia ser uma regulamentação final que fosse vista como positiva pelo setor.

O objetivo principal da ALEP neste processo era:

  • evitar que surgissem medidas desproporcionais ou injustificadas (ex. típico medidores de ruídos)
  • garantir que o uso habitacional fosse mantido e expresso claramente do Regulamento.
  • exigir que as regras das zonas de contenção fossem transparentes, baseados em indicadores objetivos e razoáveis.
  • Garantir que o Regulamento não excedesse o limite dado pela lei e não se tornasse numa espécie de segunda lei com mais requisitos gerais para todos os ALs.

Ou seja, pela natureza do Regulamento, nunca poderia ser uma conquista do AL, a prioridade da ALEP também era criar contenção, mas no nosso caso contenção de danos injustificados.

A posição geral da ALEP

Dito isto, também é preciso ter uma visão realista do contexto. Não haver zonas de contenção era algo politicamente inviável. Só quem esteve totalmente alienado deste processo e não acompanhou as noticias nos meios de comunicação a evolução dos debates é que poderia ter esta ilusão. Além disto, como setor também temos que assumir a nossa responsabilidade em termos de sustentabilidade. A ALEP estudou de forma séria e técnica a evolução do AL no município. Mesmo sabendo que haveria no futuro um ajuste entre oferta e procura, havia efetivamente zonas onde a concentração do AL poderia ser excessiva e causar desequilíbrios.

A ALEP fez um estudo e de forma transparente e apresentou à Câmara Municipal de Lisboa os dados de concentração por freguesia. Além disto, apresentamos uma sugestão de indicador que era diferente da adotada e ainda, propostas de regras e critérios para criação das áreas de contenção. Este trabalho já tinha sido parcialmente apresentado na Assembleia da República.

A posição da ALEP sobre as áreas de contenção é que era preferível fazer uma gestão antecipada inteligente e não apenas reativa e concentrada na proibição. A nossa proposta inicial foi a criação nestas áreas de contenção de limites de aberturas anuais com candidaturas baseadas numa grelha de critérios que davam maior ou menor pontuação a projetos de acordo o grau de impacto positivo e negativo que tivessem sobre o mercado da habitação.

Como fizemos o nosso trabalho

Antes de iniciar a própria discussão pública do Regulamento e logo a seguir à publicação da nova lei reunimos com a Câmara (não só a de Lisboa) e apresentamos um documento sobre os dados que tínhamos, indicadores a ser usados para as áreas de contenção e critérios para o registo de novos AL.

Procuramos antecipar o processo com propostas concretas e equilibradas que visassem um crescimento sustentável do AL na cidade. Especialmente porque sabíamos que não havia experiências internacionais nesta matéria e que a única referência para o Regulamento era suspender ou proibir e onde proibir.

Depois da abertura da discussão pública apresentamos um documento oficial com uma série de sugestões de correção.

Procuramos manter contato com a Câmara Municipal de Lisboa em todo o processo, mas devido à mudança ocorrida na vereação da Câmara Municipal (com a nomeação de um novo vereador do urbanismo) e as eleições legislativas, o processo ficou para todo para ser definido muito próximo do limite. A pressão era muito grande, pois no dia 8 de Novembro acabavam os prazos das suspensões e os registos voltariam a estar disponíveis para toda a cidade de Lisboa, por isto sabíamos que Câmara tinha que aprovar um Regulamento, mesmo que não fosse perfeito até essa data.

Na fase final de elaboração do regulamento fomos obtendo informação do conteúdo das primeiras versões através dos nossos contatos institucionais, das notícias nos meios de comunicação e reagimos de imediato. Houve abertura por parte Câmara Municipal para ouvir as nossas sugestões, mas havia muitas limitações devido às pressões de outros grupos e à negociação com o BE e o PCP das quais dependia a aprovação do Regulamento.

Em que pontos a ALEP conseguiu intervir a favor do setor:

A principal ponto garantido no Regulamento foi a noção que o AL é uma atividade compatível com o uso habitacional e que as zonas de contenção são justificadas ou criadas através de indicadores objetivos.

Além disto, conseguimos evitar muitos pontos desproporcionais e com efeitos muito negativos para os operadores. Algumas destas alterações conseguidas pela ALEP constam mesmo do relatório de ponderação que acompanha o regulamento. Entre eles:

  • Evitamos que todos os operadores fossem obrigados a instalar medidor de ruídos.
     
    Numa versão inicial que saiu na imprensa exigisse instalação de medidores de ruído em todos os ALs, novos e existentes. Isto teria um custo inicial de centenas de euros para os operadores e ainda um custo de manutenção anual. Além de ser baseado em ideias preconceituosas. Conseguimos mostrar a desproporcionalidade desta medida, bem como o efeito negativo na imagem da cidade para os Turistas, tendo a Câmara Municipal na sua proposta final restringido esta solução apenas para situações de conflitos e oposição de condomínio pela violação das regras do ruído, situações em que nos parece razoável e até útil estes medidores para clarificar quem tem razão ou monitorizar os problemas

 

  • Conseguimos aumentar de 5 para 10 anos a validade dos novos registos efetuados a título excecional nas áreas de contenção. Demonstramos que o prazo de validade do registo por 5 nas áreas de contenção era contraproducente, pois ninguém iria investir em prédios em ruínas ou devolutos com um período de amortização do investimento tão curto. A nossa proposta era eliminar o limite de validade dos registos, mas a versão final que estende para 10 anos já é mais razoável.

     
  • Ajudamos na criação da figura da suspensão temporária para arrendamento. Fomos instrumentais na criação da  figura da suspensão temporária para quem está em área de contenção e quer fazer um contrato de arrendamento, mas não quer perder o registo.

 

  • Evitamos que o texto sobre os condomínios fosse um incentivo às reclamações
     
    Conseguimos alterar o artigo de oposição do condomínio que tinha um texto que passava a ideia errada que a Assembleia de condóminos poderia se opor ao alojamento local em geral o que aumentaria os problemas de conflito. O texto foi alterado para aquele que consta na lei.
     Nesta matéria também conseguimos evitar algumas menções e textos despropositados que serviam quase de incentivo para os condomínios fazerem reclamações e para a conflitualidade.

 

  • Sugerimos a criação de um pedido de informação prévia: Em conjunto com a AHRESP pedimos a inclusão de uma figura de pedido de informação prévia para dar conforto a quem queira fazer um projeto nas áreas de contenção, dentro das exceções criadas, sem receio depois de mudarem as regras a meio do caminho.

 

Decisões que não concordamos e/ou não foi possível alterar:

  • Criação da nova zona de contenção: A criação da nova zona de contenção Baixa/Liberdade/República/Almirante Reis surgiu na última hora para surpresa de todos, fruto de um acordo político partidário entre o PS e o BE após as eleições legislativas. No nosso entender, o que estava em causa aqui não eram os indicadores incluir esta ou aquela zona, mas sim o fato da Câmara através do seu estudo e proposta inicial ter indicado que esta zona era de serviços e não seria incluída nas zonas de contenção. Esta é uma mudança política e não técnica que exigiria rever os indicadores desta zona pelas suas várias sub-regiões.

 

  • Artigos de salvaguarda para quem estava a meio de projetos: Outro aspeto que procuramos salvaguardar até ao último dia foi a criação de uma norma transitória que salvaguardasse quem investiu e tinha projetos a meio nesta área, já que foi a própria Câmara com concordância do BE que criou inicialmente esta expetativa. Infelizmente, o Regulamento saiu sem nenhuma disposição transitória que salvaguardasse para quem estava a meio do investimento em zonas que viraram área de contenção.

 

  • Documentos adicionais desnecessários para novos pedidos: Não conseguimos retirar questões menores que no nosso entender contrariam os poderes dados pela Lei. Como por exemplo, a exigência de alguns documentos adicionais que são pedidos a todos os novos pedidos de comunicação prévia com prazo para efeitos de registo, inclusive aqueles feitos no Balcão Único como manda a lei.. È algo pequeno, mas que cria dificuldades burocráticas desnecessárias.

     
  • Exigência de seguro de responsabilidade civil a todos os titulares: Outro erro que tentamos corrigir foi a exigência de imediato, e para todos operadores, do seguro de responsabilidade civil, inclusive dos estabelecimentos que já estavam registados antes da entrada em vigor da Lei n.º 62/2018, de 22 de Agosto, o que entra diretamente em contradição com a Lei. A ALEP já contempla este seguro na sua quota e pode rapidamente responder a esta exigência, a questão em causa era jurídica e de exemplo errado para as outras Câmaras Municipais ao ter um Regulamento que extrapola os poderes dados.

 

  • Flexibilização das regras de intransmissibilidade em casos especiais: Esta é uma das regras mais duras da lei do alojamento local. Procuramos encontrar soluções para situações de transferência de titularidade em casos de divórcio, separação de facto, entre coproprietários, familiares, para o próprio proprietário em quando antes tinha uma cessão de exploração. Fizemos várias propostas para resolver este problema, mas porque, infelizmente, este é um problema da lei geral, foi entendimento da autarquia que o Regulamento não tem poderes para alterar a lei. A ALEP vai continuar a procurar resolver este problema por outras vias.

 

Balanço final:

Tendo como premissa que este Regulamento surge num ambiente com posições muito fortes contrárias ao AL que poderiam levar a propostas bem mais radicais e que depois das eleições legislativas o ambiente tornou-se de novo muito político, com decisões tomadas em cima de hora e quase impossível de controlar, temos a consciência que conseguimos vários avanços nas nossas posições no sentido de evitar soluções que poderiam ser gravosas para o setor e amenizar alguns aspetos mais negativos que constavam das propostas iniciais apresentadas pela Câmara Municipal. A principal nota negativa foi a criação há última hora da nova zona de contenção, um processo político que se mostrou impossível de reverter.

A seguir a publicação do Regulamento e à sua entrada em vigor, uma vez que já foi aprovado, vamos ver que meios podemos utilizar para corrigir primeiro alguns pontos que consideramos que são ilegais, na medida em que o Regulamento ultrapassa os seus poderes. Podem ser questões secundárias, mas são importantes, pois ao permitir que uma Câmara crie fora do âmbito da Norma Habilitante dada pela lei, determinados requisitos para todos os operadores, abre um precedente que pode levar outras Câmaras Municipais a criar novos requisitos na sua região e criar diferenças do conceito de AL de região para região.